O dia em que Bo Songvisava pegou fogo ao LOCO - The Grand Gelinaz! Shuffle 2


                                                      (Foto: Paulo Barata, Amuse Bouche)

Na segunda edição, The Grand Gelinaz! Shuffle chegou a Portugal com a ajuda de Paulo Barata e Ana Músico, da agência de comunicação Amuse Bouche. Shuffle Two é um evento que possibilita que chefs de todo o mundo troquem de vida, casa e equipa, para darem a conhecer a sua cozinha num outro ponto do globo, num outro restaurante. Escolhidos por sorteio, o resultado é apenas revelado momentos antes do jantar ter início.

Para além do Belcanto e de José Avillez, também o LOCO e o seu chef Alexandre Silva fizeram parte do lote de 40 restaurantes/chefs que participariam nesta aventura. Dia 21 de Setembro, às 18h, os bilhetes foram colocados à venda e em menos de 2h as mesas disponíveis no LOCO esgotaram. Estava assim feita a reserva para 10 de Novembro às 20h.


Conforme pretendido, o segredo manteve-se até à data e hora marcada. Foi apenas no LOCO que a notícia foi dada: da Tailândia para Portugal, Bo Songvisava do restaurante Bo.Lan seria a chef da noite.



Com a descoberta de qual a cultura gastronómica representada, outra questão começou a assolar a mente dos convivas. Será que viria aí uma enxurrada de picante? Pois bem, rapidamente nos foi explicado que Bo pretendia, neste jantar, mostrar a sua cozinha tal como a sente e faz no seu país de origem. Ou seja, picante, picante com fartura. 

Para acompanhar a refeição, Sérgio Antunes preparou um pairing de vinhos bem arriscado. A noite começou com um vinho de Carcavelos e acabou com espumante. Pelo meio, um palheto com 70% uvas brancas e 30% uvas tintas - o vinho que menos apreciei - e ainda uns fantásticos e refrescantes vinhos brancos.

Ainda sobre a comida, o picante foi apenas um dos pontos marcantes da refeição. A nível de sabor a Tailândia foi muito bem representada. Uma cozinha em que não falta tempero, com o uso de especiarias a dar toda uma complexidade de sabores.

Antes do primeiro prato a chef Bo veio apresentar-se, falar um pouco de si, da sua origem e da sua cultura gastronómica, não deixando de fazer referência ao picante tão característico da sua cozinha.



Para primeiro prato um fantástico, saboroso e picante lamb curry! Bo veio à mesa apresentar o prato e - pelo menos assim entendi - afirmou que este seria o momento mais intenso ao nível de picante. Assumi, por isso, que a partir daqui a refeição iria diminuir de calor, gradualmente.

Melhor início de refeição seria impossível, estavam aqui todos os sabores que poderíamos associar à Tailândia. Foi bastante divertido perceber as movimentações nas várias mesas, assim como os primeiros comentários sobre o calor que já se começava a fazer sentir. O restaurante LOCO começou assim a pegar fogo.




O segundo prato, pork with shrimp paste, com arroz sem sal (é assim mesmo que a chef o confecionada) a acompanhar. A quantidade de sabor existente na carne fazia com que a ausência de sal no arroz nem fosse sentida. Comida de conforto, com a carne de porco muito bem temperada.

A surpresa deste prato começou a sentir-se, lentamente, depois das primeiras garfadas. Afinal, a intensidade de picante não iria começar a diminuir? Senti-me enganado. A verdade é que a boca e os lábios, assim como o esófago, começaram aos poucos a ficar dormentes e a queimar, tendo assim permanecido durante uns bons e longos minutos. Algum problema com isso? Nenhum. Ao longo de toda a refeição o picante foi motivo de "galhofa", de comentários, de risos e sorrisos. Fez parte da fantástica experiência e do grande jantar que se vivenciava. Se alguém sofreu em demasia, ao ponto de não aproveitar a refeição, não se fez notar.



De seguida, seafood soup & rice. Aqui o picante mal se fez sentir, ou então estávamos já calejados com tudo o que tínhamos acabado de "sofrer". Um dos pratos menos entusiasmantes do jantar. Um momento em que o fogo acalmou.



A terminar a primeira parte, um dos pratos de que mais gostei, deep-fried fish & quince. Peixe espada preto em duas texturas acompanhado por uma salada de marmelo que lhe conferia um toque ácido e amargo, contrabalançando de forma perfeita com o peixe frito. Um prato bem complexo com contraste de sabores e texturas, e também por isso bastante entusiasmante. A salada de marmelo e o respectivo molho foram fundamentais para elevar o prato a um outro nível. Genial.

(Foto à direita: retirado do instagram de Ana Músico, Amuse Bouche

Intervalo. Pausa alargada para o fogo acalmar, seguido de um discurso para preparar os convivas. Seguiu-se um ritual que foi comum a todos os 40 restaurantes participantes. O menu anunciava: Now it's Bonus time. Call the waiter: he has a gift for you and all of you. With our compliments! That's the ritual to join the tribe. 

Mas... que surpresa seria essa? Pouco depois a dúvida ficou esclarecida. Chegou à mesa, numa bandeja, um pequeno papel retangular onde se lia "GELINAZ!" - uma tatuagem para se colocar numa qualquer parte do corpo, como que um ritual de iniciação para se "entrar na tribo". O espírito irreverente e informal do evento mais uma vez aqui demonstrado. Arriscaria dizer que a maioria dos presentes foi audaz o suficiente para entrar no espírito, alinhando na brincadeira. E quem não o fez... shame on you!



A segunda parte do jantar começou com aubergine relish, uma pasta de beringela de sabores bem complexos, com o típico registo de temperos e aromas que tão facilmente associamos à cozinha tailandesa. Ao lado, vegetais biológicos com os quais deveríamos acompanhar a pasta de beringela, e ainda chouriço português que, de certa forma, ajudava a apaziguar o ardor que se sentia pela boca quando uma ou outra pimenta ganhava protagonismo.



De seguida, um incrível ceviche de encharéu, muito bem equilibrado. Picante q.b., doce e ácido. Pelo prato marcou presença um "caviar" cítrico (finger lime) muito curioso. Um dos pratos que mais agradou aos presentes.


Por fim, os greens, couve salteada acompanhada por pickles de rábano e grelos. Pelo meio das couves, umas pimentas verdes bem fogosas que piscavam o olho aos mais aventureiros. Houve quem arriscasse comer uma ou duas, assumindo a ideia de que nada se deve desperdiçar. Ora, se estavam pelo prato seria para serem consumidas. Assim aconteceu, um dos momentos em que o fogo no LOCO mais se avivou, tal eram as labaredas. E porque uma imagem vale mais que mil palavras, com esta se percebe o espírito (e o calor) que se fez sentir durante todo o jantar.


                                                     (Foi-me dada autorização para publicação desta fotografia)

Por fim, a sobremesa. Pear & pepper doughnut, pois não poderia acabar de outra forma. A acompanhar, chalota frita, que contribuía com um fantástico toque doce-salgado, para além da textura crocante. Ainda pera em calda para um momento final de relaxamento. Uma boa sobremesa, que pecou por vir em dose bem reduzida. Soube a pouco, já que nem petit fours houve para acompanhar o café.

Estando a par da matriz do projecto Gelinaz! e do LOCO, a escolha não foi difícil, na hora de decidir qual o restaurante português a visitar neste dia. The Grand Gelinaz: Shuffle 2 é um evento que em tudo se identifica com os princípios da experiência gastronómica proporcionada a quem visita o restaurante LOCO. Um jantar disruptivo e out of the box, pensado para quem gosta de viver a experiência através de um olhar diferente, desafiador das normas. A isso juntou-se um ambiente descontraído, promovido pela equipa de cozinha e de sala, que facilmente se alastrou a todos os presentes.

O LOCO pegou fogo, e isso mesmo foi sentido por quem teve a sorte de viver esse momento. Ainda assim não houve feridos, apenas lábios dormentes.

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