DiverXO e o mundo louco de David Muñoz


         (Foto: Angloinfo)

Foi em 2007 que o chef David Muñoz abriu o restaurante DiverXO, em Madrid, começando assim a mostrar ao mundo da gastronomia o seu estilo irreverente. A ascensão foi de tal forma rápida que em dois anos ganhou a primeira estrela michelin e em 2013 era já o único restaurante da capital espanhola galardoado com a maior distinção do guia, três estrelas. Em 2014 o restaurante mudou de local, instalando-se no Hotel NH Collection. Maior área de sala e de cozinha permitiram ao chef promover um outro tipo de espectáculo.

DiverXO é um restaurante à imagem do seu chef. Aqui é-nos dado a conhecer o mundo louco de David Muñoz, uma cozinha de vanguarda com uma clara influência mediterrânea e asiática, mas longe de se restringir a essas áreas geográficas. Uma cozinha única, inovadora, técnica, divertida, profundamente criativa e disruptiva. A sua cozinha é de tal forma única que Michael Ellis, director internacional do guia michelin, comparou David Muñoz a Ferran Adrià, num artigo em que o New York Times apelida o chef espanhol de enfant terrible.



Na experiência gastronómica promovida pelo chef espanhol são vários os factores que entram em acção. Desde a caracterização da equipa de sala e cozinha (uso de macacões com cores berrantes e óculos sem lentes, por exemplo), a toda a cenografia do espaço, onde imperam borboletas gigantes e porcos voadores. Não existem pratos mas sim canvas, como se nos estivessem a servir obras de arte. Na verdade, toda a refeição decorre como se de uma performance se tratasse.


Nesta experiência a que se predispõe o comensal, todos os sentidos são estimulados ao longo da refeição, desde o tacto ao olfacto, passando obviamente pelo paladar e visão, mas também pela audição (já perceberão como!). Uma refeição no DiverXO pode chegar às 4h de duração, e toda ela decorre a grande velocidade, de tal forma que chega a ser desconcertante. 

O almoço que aqui será resumido teve lugar na primavera de 2015, com uma reserva efectuada para as 14h:07. Assim mesmo, sem arredondamentos. Chegado o dia, constatei que seria a primeira mesa a ser sentada, o que contrasta com o avançado da hora.

Dois menus de degustação, um mais curto e outro mais extenso: "Two options that differ only in the quantity of food and number of dishes. Both are killer and unlimited. Unique cuisine marked by intense sensations and raw creativity." 


Depois de uma avalanche de comida (amuse bouches) que foi sendo servida nos primeiros 10 minutos, o primeiro prato. Quando se pensaria que a trufa seria a rainha, o rei foi outro, huitlacoche, uma pasta negra à base de um fungo (ustilago maydis) que cresce no milho. Fantástico sabor adocicado. 


De seguida uma "omelete". Uma deliciosa carne de caranguejo coberto por molho hollandaise com manteiga de cabra e ainda gnocchi de azeitona preta. 


Dim sum de porco em caldo de 48h. Apresenta-se tímido, mas não tem razões para isso, estava delicioso. 


Mais um prato genial. Bife kobe com salada vermelha que, entre outras coisas, têm por ali uma neve de tomate deliciosa, fresca, a contrastar em temperatura com os restantes elementos. 


Gema de ovo explosiva, red shrimp e a sua cabeça bem espremida (e bem chuchada, diga-se!) sobre noodles de batata. Um dos pratos mais saborosos e gulosos do almoço. 


De seguida, salada líquida e outras coisas mais, com atum fumado e umas "amêndoas" rebentam na boca. Outro incrível momento.


Numa só dentada foi-se este nigiri fumado de arroz de pimento, tutano e "caviar da montanha", acompanhado por caldo de kobe. Intenso, é a palavra que define este momento. 


Espinha de anchova. Por baixo, uma pincelada de pimenta da Jamaica que, com a ajuda da espátula (um dos utensílios que acompanhou a refeição do princípio ao fim) desapareceu da tela. 


Antes das sobremesas, o grand finale, o momento mais espetacular de toda a refeição. Ter sido a primeira mesa a sentar fez com que fosse o primeiro a vivenciar este momento surpresa.


Primeiro somos circundados por uma cortina branca ligeiramente transparente. Depois são colocadas diversos objectos na mesa: candelabro, copo de vinho vintage onde é servido um Bordeaux, envelope lacrado (que continha a descrição de todos os elementos servidos no canvas que entretanto viria para a mesa). Também Edith Piaf marcou presença no almoço, através desta coluna colocada no centro da mesa. 


Criava-se assim um universo paralelo ao restaurante. O objectivo de toda esta envolvência 
é transportar o comensal para o ambiente vivido na década de 70, na cidade de Paris. Objectivo conseguido.

Depois deste incrível momento seguiram-se mais umas quantas surpresas, já nas sobremesas. Por exemplo, um prato à partida sem grande conteúdo revelou-se afinal bem recheado, estando grande parte do seu conteúdo camuflado num prato que parecia plano, mas que escondia umas cavidades onde se encontrava o recheio. Era, por isso, necessário ir à descoberta. Kimchi de morango, côco, chocolate branco, jasmim e coisas mais. 


De seguida, os petits fours, algodão doce e uns chupa-chupas gelados, sabor a coca-cola e outras coisas mais.


Já o café estava pedido quando vieram à mesa colocar mais um par de talheres. Surpreendido, perguntei qual o motivo. Foi o próprio David Muñoz, aquando de uma visita à sala, que pediu para que me fosse servida mais esta sobremesa (e já tanto tinha sido comido, mais de metade ficou por mostrar neste post, e o menu escolhido foi o mais curto!). Este foi um dos momentos altos da refeição, mais do que o sabor, o deleite veio do aroma a violeta, transpondo para outros tempos, outros lugares, outras memórias. Apenas na boca se sente o que olfacto não foi capaz de percepcionar quando foi chamado a fazê-lo. A violeta é acompanhada por cardamomo, alho negro, goiaba e chocolate branco. Uma sobremesa idealizada pelo chef espanhol para os seus filhos. 


David Muñoz é um dos grandes chefs da actualidade, e a quantidade de criatividade que demonstra neste seu restaurante é prova disso. Criativo, nada convencional, com uma cozinha disruptiva e intensa sem nunca esquecer a importância do sabor. A ementa muda constantemente, mais uma prova da criatividade inesgotável que o chef madrileno demonstrar. Uma refeição no DiverXO é uma experiência total, estimulante a nível sensorial e intelectual, desafia o comensal a pensar sobre o sentido da própria experiência gastronómica. 

O que por aqui se percepciona pode bem ser catalogado como uma obra de arte. Uma gastro-performance em que o comensal recebe o papel de espectador-participante, ainda que não necessite de muita preparação, bastando apenas não se intimidar e deixando-se levar nesta longa peça comandada por um chef-encenador. É um momento único e imperdível para quem aprecia estas aventuras.

2 comentários:

  1. Olá João,

    As fotografias e as descrições deixam uma ideia muito concreta do que deve ser o restaurante. Parabéns por isso!

    De tempos a tempos vou verificar as vagas e nunca apanho nada ao fim-de-semana mesmo com meses e meses de distância. Ainda não me apet€ceu ao ponto de tirar uma 4ª feira para ir a Madrid almoçar e voltar...! Mas continua na lista.

    Tenho ideia de ter lido que o David Muñoz está sempre no restaurante, todos os dias a todas as refeições. Acho isso extraordinário. Por mais que seja importante um chef ir ganhar mundo e estar com outros e ser cada vez mais criador que executante, muitos destes chefs (refiro-me a estes restaurantes de 2 ou 3 estrelas) parecem não valorizar o facto de quem vai a estes restaurantes ter uma satisfação extra ao perceber que, naquele dia e naquela refeição, o head chef esteve lá a cozinhar para elas. Não teria gostado tanto da Osteria se não tivesse tido a oportunidade de cumprimentar o Massimo Bottura ou do Celler se não tivesse visitado a cozinha e cumprimentado o Jordi Roca.

    O Heston estava no Fat Duck?

    Abraço

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    1. Viva Duarte,

      Antes demais, desculpa a demora, mas só hoje me deparei com a notificação do teu comentário! Tenho de aprimorar as notificações deste email...

      David Muñoz era o tipo de chef que abdicava de vários eventos para não deixar passar nada no seu ex libris DiverXO. Dizia-se, na altura em que lá fui, que não perdia um único serviço. Ora, isso já não acontece, principalmente desde que surgiu o StreetXO London. O facto de ter ganho grande notoriedade nos últimos anos em Espanha (devido a factores não relacionados com a gastronomia) também ajudou a que actualmente nem sempre consiga estar pelo DiverXO. Ainda assim, a forma de estar deste chef espanhol é essa - não perder uma pitada do que se passa no seu principal restaurante, não abdicar de controlar o seu grande projecto que é o DiverXO. Isso vê-se na quantidade de pratos novos que vão surgindo, semana após semana, e sempre de um nível extraordinário... o que contrasta com os estrelados que conhecemos e que mudam o menu uma ou duas vezes por ano... ou nem isso.

      O Heston não esteve pelo Fat Duck, muito raramente está. O restaurante é minúsculo, e a cozinha que por lá existe é apenas de finalização. Ele costuma estar, isso sim e com grande frequência, no outro lado da rua, onde se situa a cozinha de preparação e o laboratório de experimentação. Na operação diária do restaurante o comandante é outro, Jonny Lake, head chef. E esse está lá sempre. E concordo contigo, a presença do chef é fundamental e um elemento importante da experiência gastronómica! Neste caso, a coisa está tão bem oleada que não se torna imprescíndivel.

      Um abraço e obrigado pela visita.

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