A biodiversidade peruana na alta cozinha do Central


Suelo de mar - Erizo, Pepino Melón, Navaja, Yuyo (0m)

Com influências de várias partes do mundo e com uma enorme riqueza ao nível da fauna e flora, a gastronomia peruana é uma das mais apetecíveis da actualidade. Vivenciando grande desenvolvimento interno desde os finais do séc XX, também além fronteiras a influência da cozinha peruana se tem cimentado. Grande parte desse impulso deve-se a Gastón Acurio, embaixador da cozinha peruana e chef de enorme prestígio. Mais recentemente, uma nova geração de chefs começou a seguir os mesmos passos, como é o caso de Virgilio Martínez, chef do restaurante Central, considerado à data deste almoço o 4º melhor do mundo (actualmente 5º),  e o melhor restaurante da América Latina.


As bebidas que acompanharam a refeição - Clássico pisco sour e pisco sour de folha de coca

Virgilio Martínez tem vindo a desenvolver um importante trabalho de investigação, catalogação e experimentação de ingredientes oriundo das mais variadas zonas do Peru, no âmbito do seu projecto Mater Iniciativa - centro de investigação biológico e cultural que serve de suporte e base ao processo criativo desenvolvido no Central. Para tal, trabalha directamente com as comunidades indígenas aprendendo sobre as suas histórias, receituário e ingredientes.  Juntamente com a sua esposa e braço direito Pía León, transpõe todo esse conhecimento para a cozinha do Central.

                                                   Molusco de roca - Caracol, Mejillón, Sargazo, Lapa (-10m)

Inspirado pelo espaço arqueológico Moray, Virgilio criou um menu de degustação em que cada prato é composto por ingredientes que vivem numa mesma altitude, num mesmo ecossistema. Assim,  e neste almoço, o menu apresentado leva o comensal numa viagem gastronómica pelos mais variados (e desconhecidos) ingredientes peruanos, dos -10m aos 3700m de altitude. Uma viagem da costa até aos altos Andes e Amazónia, sem esquecer o deserto. Neste primeiro prato vamos mesmo às profundezas do mar com um crocante de alga e um creme à base de diferentes moluscos.

Tallos Engrosados - Olluco, Chincho, Cebolla, Yuyo de Pampa (3500m) // Escama de Río - Camarón, Doncela, Achiote, Huampo (680m)

O menu escolhido foi o mais reduzido, de 11 momentos, em contraponto com o mais longo de 17.  Olluco, tubérculo peruano, servido num emaranhado crocante acompanhado por um ceviche de yuyo de pampa. Logo de seguida, Escamas de Río, do camarão ao peixe (Doncella) e um gel feito a partir da arvore Huampo.


Algodón de Bosque - Churo, Gamitana, Pacae, Llantén (300m)


Foi Virgilio Martínez quem à mesa trouxe o momento seguinte. Com simpatia, mostrou-se disponível para dois dedos de conversa após a explicação dos vários elementos. Foi precisamente essa a distração que não me deixou tirar foto ao algodão do bosque que, na realidade, é o fruto amazónico pacae que muito se assemelha ao algodão, aqui preenchido com uma emulsão de peixe. No centro, churo (caracol gigante, do tamanho da palma da mão) embrulhado numa folha de llanten e, por fim, leche de tigre de huito (fruto) servido quente e de notas picantes. 

Ceja de selva - Macambo, Yuca, Sachaculantro, Papa Voladora - Pão fumado com coca (2800m)

O momento do pão chegou à mesa já a refeição decorria, com principal destaque a ir para o pão de sementes, fumado com folha de coca. Se no Ocidente esta planta é ilegal, no Peru assim não é, fazendo parte da história e da cultura deste país (num futuro post aprofundaremos este tema). A acompanhar, um pequeno e delicioso bolo de yuca e um creme de macambo, fruto que se assemelha ao cacao e que se mostrou de sabor profundamente viciante. Já a manteiga, de notas tostadas, doces e salgadas, contribuiu para fazer deste o mais memorável momento de pão. 

Seguimos para o mar com com um prato de pura frescura (1ª foto do post!). Ouriço do mar, algas e pepino melão (que a nível de sabor sabe, de facto, a uma mistura entre os dois). Provavelmente um dos pratos mais emblemáticos do Central!

                                                  Tierra de Maíz - Kculli, Morado, Chulpi, Piscorunto (2010m) 

Mergulhamos agora no milho, mais concretamente em quatro variedades onde se inclui maíz morado, o mesmo que serve de base à chicha morada, sumo peruano profundamente viciante (e o par perfeito para o ceviche). Um prato que ficou na memória pelo sabor doce, meloso, crocante, com um molho untuoso (estilo demi glace) com notas de caramelo. Quente, intenso, reconfortante e cheio de texturas. Sem dúvida um dos momentos preferidos de toda a refeição.

Coral de Mar - Pulpo, Cangrejo, Calamar, Lechuga de Mar (-10m) // Cordillera Baja - Cerdo, Mashwa Negra, Aji Panca, Kiwicha (1800m)

Voltamos novamente ao mar, neste caso às profundezas. Um prato onde sobressai o sabor do polvo e marisco (que nos chega à boca através da espuma de caranguejo), envolto num molho de alface do mar com redução de ceviche, para um toque cítrico.

Nas carne, saltamos do fundo do mar para os Andes com porco (que me recordou rojões, pelo sabor e textura), mashwa (tubérculo), aji panca (chilli) e Kiwicha, um ingrediente ("super food") que se assemelha à quinoa e há milénios consumido nas "Américas". 

Verde Húmido - Caigua, Cushuro, Lima, Chaco (3700m)

Seguimos com um dos pratos mais incríveis! Um momento que não se encontrava no menu mais curto mas que seria impossível não o experimentar, pois inclui os dois ingredientes que mais curiosidade me despertaram, quando meses antes começou a "preparação" para este almoço. Cushuro, pequenas "pérolas" escuras que mais não são que uma bactéria que cresce acima dos 3.600m de altitude nos Andes. De sabor, apresenta notas salgadas e ligeira amargura.

Outro curioso ingrediente é chaco, argila comestível que, na natureza, encontra-se em forma de pedras. Difícil dizer qual o seu real sabor, já que por cá se mostrou em forma de merengue, talvez em alusão ao aspecto que apresenta na natureza.

No seu conjunto, um prato refrescante, de notas amargas e cítricas bem balançadas. Uma excelente propostas de transição entre os pratos salgados e os momentos mais doces.

Blanco Amazónico - Cacao, Chirimoya, Nuez Bahuaja, Taperibá (400m)

Por fim, um prato de chocolate. Cacao (na sua forma mais natural, o fruto) e chirimoya (anona), de sabores doces, exóticos e sumarentos. Combinaram na perfeição com a mousse (servida bem fria) de chocolate 85%. Por baixo, novamente gelatina de cacao e, em cima, lascas de noz amazónica (castanha do brasil, um fruto que se encontra dentro de uma espécie de coco).  

Medicinales y Tintóreas - Congona - Matico - Malva - Pilipili (3050m)

A finalizar a refeição, mignardises e infusão de lúcia-lima com 4 ervas medicinais.

Mais do que dar a conhecer a cozinha peruana, no Central embarcamos numa viagem pelo desconhecido, por terras (e sabores) nunca antes navegados, através de produtos como tubérculos, peixes, algas, frutos, ervas, entre outros tantos... muitos dos quais existentes apenas no Peru. Trabalhados da melhor forma - através das mais modernas técnicas - chegam à mesa potenciados pela combinações de sabores de outros elementos que coabitam num mesmo habitat natural. Mais do que uma refeição, é um momento de aprendizagem. Sem dúvida uma experiência imperdível! 

Até à próxima degustação.

2 comentários:

  1. “e prontos“ (sim prontosssss) quero ir ao Peru.
    ���� fazer mais posts destes faxabore que deixou de haver foodies e uma pessoa quer ser goodies no morfanço ou seja muito bom na arte de bem comer e comer bem.

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    1. O Peru vale muito a visita, gastronomicamente falando é um mundo!

      Pena que o tempo não dá para uma maior regularidade do blog, mas ando a fazer por isso, juro! :)

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