Por onde andam os nossos chefs pasteleiros?



Nos dias que correm, cada vez mais jovens estudantes optam pelas artes culinárias, muitos dos quais especializando-se, mais tarde, em pastelaria. Sendo esse um facto inegável, a verdade é que nas cozinhas da grande maioria dos restaurantes e, em concreto, daqueles que maior capacidade financeira dispõem, o número de chefs pasteleiros com responsabilidade criativa (e não apenas de execução) é diminuto.  


Ora, porque será que tal ocorre? Não me parece fazer sentido - do ponto de vista teórico - que o chef chame apenas a si a responsabilidade criativa da pastelaria.

Nuno Castro - Pain perdu, gelado de iogurte, falsas cerejas

Quantos chefs com a genialidade e conhecimento necessário para as duas áreas da cozinha teremos entre nós? Ainda que muitos o ambicionem, já não se fazem chefs como Antoine Carême, e mesmo ele começou, ainda em adolescente, pelo estudo da pastelaria, largos anos antes de se dedicar ao universo mais salgado. Nestas excepções não consigo deixar de referenciar Nuno Castro que, na Esquina do Avesso, tem vindo a desenvolver um excepcional trabalho, tanto nos salgados como na pastelaria, demonstrando uma inesgotável criatividade assim como excelentes conhecimentos técnicos - mérito redobrado tendo em conta os parcos recursos que a sua pequena cozinha lhe disponibiliza.

Carlos Fernandes - Espargos brancos, café, cardamomo 

Ao nível de chefs pasteleiros, e nomeando apenas alguns que me marcaram nos últimos tempos, é incontestável a influência que Carlos Fernandes tinha no Loco, com as suas arrojadas e out of the box propostas. No restaurante Alma é Telmo Moutinho que se destaca ao lado de Henrique Sá Pessoa, dando um importante contributo com as suas decadentes sobremesas.

Mais discreto, mas também a fazer um excelente trabalho, está José Bastos (de quem já aqui falamos), que depois de anos a fio no The Yeatman está agora com Tiago Bonito no Largo do Paço em Amarante.

Com uma grande margem de progressão e a fazer já um incrível trabalho encontramos Fábio Quiraz que, no Paparico, tem dado azos à sua imaginação.

Telmo Moutinho - Chocolate, Caramelo Salgado, Avelã | Fábio Quiraz - Chouriça doce de sangue de porco, gelado de amêndoa e terra de alho negro

Salvo estas e outras (não tanto como as desejáveis) excepções, não consigo deixar de me surpreender ao ver restaurantes de alta cozinha - muitos dos quais "estrelados" - sem um chef pasteleiro criativo com real liberdade de decisão. Não quero com isto dizer que esses restaurantes não estão a fazer um bom trabalho... mas uma pergunta óbvia coloca-se: será que não podiam estar a trabalhar a um nível superior?

Até porque este não é um assunto novo, cabe também aos media e à crítica (trabalho que alguns, é certo, têm vindo já a fazer) realçar a importância dos momentos mais doces na experiência gastronómica e, consequentemente,  incidir o foco na análise ao papel que o chef pasteleiro desenvolve (ou, noutros casos, na falta desse trabalho) na construção da narrativa que se pretende dar a conhecer ao comensal. Só assim será possível fomentar a valorização desta tão imprescíndivel área da gastronomia e de quem a ela se dedica.

*Foto de abertura: Fábio Quiraz - Ruibarbo, Framboesa, Yuzu 

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