O arroz na alta cozinha portuguesa


Arroz doce com chocolate branco, gelado de kumquat - The Yeatman**, Porto

O arroz faz parte do trio de cereais mais consumidos no mundo. Juntamente com trigo e milho, preenche cerca de metade de todas as terras agrícolas do planeta. Na Europa, Portugal encabeça a lista de país mais consumidor de arroz per capita (~16kg/ano), à frente de Espanha que consome anualmente cerca de dois terços deste valor. Além de consumidor, Portugal é também produtor de arroz (o 4º maior da Europa), dedicando-se maioritariamente ao arroz carolino (com 70% da área total de cultivo), com foco produtivo nas áreas do Vale do Mondego, Tejo e Sado. 


Enquanto consumidores, desenvolvemos um receituário inesgotável, com este elemento a ser trabalhado com respeito e entusiasmo, das mais variadas formas e feitios - do arroz branco a acompanhar umas tripas, ao arroz de marisco ou de sarrabulho, chegando às sobremesas com o tradicional arroz doce.
Em Portugal cada vez mais vemos a referência ao "produto" como fonte de inspiração e ponto de partida para o processo de criação. Valoriza-se o ingrediente de maior qualidade, sazonal e local, trabalhado de forma cada vez mais simples - ainda que nada simplista! - de maneira a aproveitar todo o potencial existente. Assim sendo, e tendo em consideração a enorme importância e influência do arroz no património gastronómico português,  porque se encontra tão pouco representado na alta cozinha?

Prova de que não é absurdo trabalhar este elemento ao mais alto nível, lá fora, o chef espanhol Quique Dacosta (3*** michelin, Espanha) apropriou-se deste cereal que lhe é tão querido dando-lhe um contexto contemporâneo, como se pode observar no livro Arroces Contemporáneos, do qual é autor. Também Massimo Bottura (3*** Michelin, Itália) trabalha o arroz à bela maneira italiana mas, claro está, sempre aliado à criatividade que o caracteriza. Estamos a falar de chefs de dois países com um índice de consumo per capita bem inferior ao português.


Ora, assim sendo, porque motivo este ingrediente tão utilizado na cozinha tradicional portuguesa resiste em chegar à alta cozinha que por cá se pratica? Por ser um ingrediente humilde? Por ser difícil de conjugar? Por não resultar tão bem, a nível estético? Não mereceria o arroz, por parte da alta cozinha, uma atenção proporcional à influência e importância que tem para a gastronomia portuguesa?

Fazendo uma retrospectiva, e ainda que a memória me possa falhar, raras vezes vi o arroz ser trabalhado em restaurantes fine dining, com excepção de uns banais crocantes ou em forma de risotto - ainda que sendo uma interessante técnicas/receita, pouco diz à cozinha tradicional portuguesa.

No topo deste post uma dessas excepções. Uma versão do tradicional de arroz doce, aqui envolto em chocolate branco e acompanhado de gelado de kumquat. Uma daquelas sobremesa inesquecível, capaz de fazer acreditar no pai natal, e que tive a oportunidade de comer na véspera de natal de 2014, no The Yeatman, inserido no (infelizmente extinto) menu executivo. Um prato (deduzo eu) da chef pasteleiro José Bastos, e um dos poucos pratos com arroz que me recordo de provar em restaurantes de alta cozinha em Portugal.


2 comentários:

  1. Olá João,
    O Miguel Paulino, no Panorama, tem tido um arroz de lingueirão (por acaso o prato que mais gostei quando lá jantei) com uma tranche de robalo (pelo menos quando fui) e uma espuma de granny smith que corta a untuosidade do prato.
    Mas sim, é raríssimo!

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    1. Viva Duarte, obrigado pelo feedback! Imagino pela descrição que deve ter sido uma delicia! :D
      Um abraço.

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