Uma aventura pelos sabores da Amazónia peruana

  (À entrada para o parque natural e aquilo que viria a ser o início de um passeio de vários kms pela selva baixa amazónica e pelo lago Saldoval)

Se a gastronomia peruana conquistou já o mundo, muito do que se passa na Amazónia (que no Peru ocupa cerca de 60% do território!) são segredos - e ingredientes - muito bem guardados, já que falamos de um dos locais mais ricos, ao nível de biodiversidade e endemismo.



(Vista de Puerto Maldonado)

Dos vários pontos de acesso à Amazónia peruana, optou-se por Puerto Maldonado (a sul do país) com cerca de 38.000 habitantes, cidade atravessada pelo rio Madre de Díos. Recentemente, por cá esteve Jordi Roca, à descoberta de novos tipos de cacao, assim como Virgilio Martinez, com o seu projecto Mater Iniciativa, numa excursão acompanhado por Andoni Aduriz - sendo este um dos principais locais para quem quer explorar, no Peru, muito do que esta selva tem para oferecer.


(Selva amazónica e lago Sandoval) 

Em plena época das chuvas, a sorte fez-se presente, e dias de sol (ainda que noites chuvosas) possibilitaram a entrada na selva baixa amazónica - mais concretamente na reserva natural de Tambopata - sempre acompanhados por um guia indígena que muito demonstrava saber sobre tudo aquilo com que nos íamos cruzando: plantas e frutos, aves, primatas, répteis e insetos.

(Ninho de térmitas / Crocodilo)

Vários são os elementos comestíveis e/ou curativos que aqui habitam. Na foto, à esquerda, é possível ver um ninho de térmitas que reúne essas duas vertentes - podem ser degustadas ou simplesmente utilizadas para fins terapêuticos, já que se acredita possuírem propriedades dermatológicas. Não foi a primeira vez que me cruzei com formigas pelo "prato", mas estas, ao contrário da pasta de notas cítricas que me foi servida no Noma, apresentavam um forte sabor a menta.

Outro dos habitantes da zona é o crocodilo (em concreto caimão), com uma carne de sabor semelhante à de frango. Neste ponto da Amazónia, seja por razões culturais ou simplesmente por se encontrarem protegidos, não existe o hábito de consumo desta carne. Tive, no entanto, a oportunidade de provar caimão em La Paz, no restaurante Gustu, servido como ceviche - proveniente da Amazónia boliviana, são criados num espaço dedicado à sustentabilidade desta espécie (post sobre esse jantar para breve).

(Juane de Pollo)
Um dos pratos amazónicos mais tradicionais é Juane (em honra de S. João). Arroz cozido com carne (neste caso frango), ovo cozido, azeitonas e especiarias, tudo isto envolto em folha de bijao (parecida com folha de bananeira). Foi servido e consumido em plena selva, a meio de uma caminhada até ao lago Sandoval - fácil de transportar e de comer, para além de delicioso e reconfortante. O macaco que nos visitou, pronto estava para arrepanhar qualquer desperdício que por azar do acaso caía ao chão. Nada ficou, pois claro.

          (Ceviche de rua / Ceviche - restaurante El Califa)

Já fora da selva e em plena cidade passamos aos peixes, em concreto ao ceviche, prato de que já aqui falamos. Em Puerto Maldonado utilizam-se diferentes ajis na confeção do leite de tigre, e não se abdica da yucca (mandioca) cozida, que nesta parte do Peru é consumida em diversas formas, inclusivamente cozinhada em caldo de maiz morado, o mesmo tipo de milho que serve de base à chicha morada, bebida não alcoólica típica do Peru), obtendo uma cor roxa que não a torna apelativa ao olhar, ainda que de sabor seja bem interessante. Também o peixe utilizado é diferente, com cevicherias a servirem peixe de rio (foto à esq.), ainda que na rua, pelo preço reduzido, o mais provável é que seja utilizado peixe do pacífico que aqui chega congelado.

(Tacacho de calabreza, restaurante Burgos / Mechado de picuro - restaurante El Califa)

Já no conforto de um restaurante seguimos com dois pratos típicos. Tacacho, uma esfera de banana esmagada com carne seca e especiarias locais, aqui servida com calabreza, um tipo de linguiça (tradicionalmente este prato serve-se com cecina).

A maior surpresa foi estufado de picuro, um roedor "gigante" que habita os pântanos amazónicos (imagem à direita). Carne bem tenra e saborosa, parecida com a de peru, num estufado acompanhado por yucca frita, arroz e salada criola e ainda sumo de cocona, fruto amazónico utilizado também na confeção de molhos. Um prato delicioso e reconfortante!

(No prato, sacha colantro - coentros da selva, dois diferentes pimentos e cocona / castaña / cheesecake de castanha  - restaurante Burgos)

Guloso como somos, nem as sobremesas escaparam, numa zona onde os doces não fazem tradição. No restaurante Burgos, um dos mais reconhecidos desta pequena cidade, o cheesecake é feito de castaña (mais conhecido entre nós como castanha-do-brasil). Com as cansativas perguntas de quem denota grande curiosidade pelo que tem à frente, o chef teve a amabilidade de à mesa vir mostrar alguns dos ingredites utilizados nos pratos que nos foram servidos nessa noite.


Sendo um aficionado por comida de rua, é com grande entusiasmo que vivo o ambiente que envolve a vida nos mercados. No meio dos vendedores de fruta e entre cocos, plátanos (bananas), papayas e anonas, encontramos quem se dedique à venda de humitas (simples ou de queijo), que ao contrário dos tamales, são feitas com pasta de milho fresco - deliciosas!


Pela zona encontramos também vendedores de larvas, alimentadas de ungurahui, fruta de uma palmeira amazónica de onde também sumo se faz (na foto à esquerda, atrás da espetada). Um petisco que se acredita ter poderes medicinais. Quanto ao sabor apresenta notas tostadas e salgadas.


Cores vibrantes, sabores exóticos. Uma selva repleta de vida. Puerto Maldonado, um local onde a precariedade se sente a cada esquina e onde diferentes origens confluem entre a civilização e a selva. 






2 comentários:

  1. Nunca estive em Puerto Maldonado mas a diversidade gastronómica que tão bem descreves é de facto extraordinária. Parabéns - agora fiquei a salivar.
    Grande abraço e continuação de boas viagens.

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    1. Obrigado Filipe! Saí de Puerto Maldonado com vontade de voltar à Amazónia, mas com tempo para uma imersão à séria! Um grande abraço.

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