Avizinha-se uma chuva de Estrelas. Será que, como sempre, quem se lixa é o mexilhão?

                          (Mexilhão com sumo de maçã verde (?), de um menu de degustação do restaurante LOCO)

-->As notícias mais recentes dão conta de que amanhã, dia 23 de Novembro, avizinha-se uma brutal chuva de estrelas michelin para Portugal. É, por isso, a altura ideal para uma breve reflexão sobre quais as consequências da conquista da estrela michelin, do ponto de vista do cliente dos restaurantes galardoados. Uma reflexão algo simplista, certamente com outros ângulos de análise possíveis, mas que ainda assim merece ser realizada.



Recordo-me que, há uns anos, um restaurante em Portugal, no ano em que ganhou a desejada estrela, praticava preços na ordem dos 25-30€ (menu executivo) ao almoço. Foram (também) esses almoços que lhe valeram a estrela michelin. A verdade é que, pouco depois, quem se habituou a por lá almoçar a esses preços teve uma "bela" surpresa. Um almoço que até então era possível pelos valores supra referidos, passou a rondar os 80-100€, o mesmo valor praticado ao jantar (valor que também aumentou após a conquista). A cozinha, essa, continuou muito idêntica e de igual nível. Este é apenas um exemplo, bem específico, mas que retrata um caminho que parece ser o seguido por alguns restaurantes que se vêm nestas condições.

Um restaurante é um negócio, privado, e quem comanda o projeto tem todo o direito - e disso não há qualquer dúvida - de praticar os preços que bem entende. No entanto, a restauração, e em concreto a alta cozinha, é um negócio que vive da relação de confiança existente entre  chef - comensal.
Com a chegada da primeira estrela, a curiosidade pelo restaurante aumenta e, consequentemente, aparecerão novos clientes, muitos dos quais estrangeiros, de frequência esporádica ou mesmo de visita única. Se o preço aumenta, pelo menos uma certa clientela portuguesa diminui, fazendo daquele espaço até então merecedor de visitas regulares, um restaurante de ocasião, para datas especiais.

Os clientes que, mesmo de forma modesta, ajudaram à conquista da estrela, saem defraudados  por esta política de aumento de preços que parece prevalecer na alta cozinha portuguesa, mal é conseguida a afamada estrela. Quando assim é, o sentimento que prevalece em quem tanto desejou que restaurante X chegasse a este patamar é um tanto ou quanto contraditório, variando entre a desilusão e desapontamento, podendo mesmo em certos casos resvalar a traição.

Como disse Henrique Sá Pessoa, este ano tem tudo para ser um ano "barca velha" para a gastronomia - e em concreto a alta cozinha - portuguesa. Boa sorte a todos os que de alguma forma esperam pelo dia de amanhã na expectativa de verem o seu trabalho reconhecido. Apenas fico também a desejar que não seja o mexilhão a pagar por esse sucesso.

6 comentários:

  1. Sem duvida, João, quem se lixa é o mexilhão! O que é uma pena...

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  2. Esse tal restaurante, que desconheço completamente (:-P) marcou-te mesmo pela negativa!

    Infelizmente, dos que conheço, nem sempre há a aposta no menu executivo, ou nem sequer estão abertos ao jantar. Por aí não há mexilhão que se lixe... Quantos aos preços "normais", acho natural um acerto. O que era 90 passar a 100, o que era 70 passar a 85... Também julgo que o nosso mercado não comporta aumentos muito maiores, mesmo com cada vez mais turistas. Aguardemos!

    Entretanto, o mesmo Angel Pardo que confirmou diretamente ao Mesa Marcada que era 17 estrelas novas para Portugal, aparece ontem/hoje a falar de 9 (duas subidas a 2* e sete novos 1*). WTF? Desistiram a meio? Nem sequer se deu ao trabalho de verificar antes de confirmar aos media? Sinceramente... andámos aqui todos a apostar e as perspetivas são afinal muito mais desinteressantes.

    E abusei das reticências!

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    1. "Nem sequer estão abertos ao almoço", naturalmente.

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    2. Viva Duarte,

      Peguei num exemplo específico e extremado para falar de um comportamento recorrente, sendo certo que casos destas não acontecem com esta dimensão, por questões que referiste. Mas ao contrário de ti, não acho que o mercado tenha capacidade para suportar esses aumentos (que não são de apenas 10/15€), pelo menos o nacional.

      Já reparaste na diferença de valores entre restaurantes estrelados, em Espanha e Portugal? Um jantar num 3 estrelas do país vizinho custa menos que num duas estrelas português. E esta disparidade é comum a todas as categorias, nalguns casos essa diferença chega a ser "escandalosas".

      É também por isso que falo nesta questão, o restaurantes estrelados portugueses apresentam dos valores mais altos de toda a Europa (excepção para alguns países, como a França). Justifica-se? A mim custa-me a compreender.

      Quanto a Ángel Pardo, se se comprovar essa diferença, das duas uma: ou é muito mau de contas, ou pouco ou nada se interessa pela parte portuguesa que ao guia diz respeito.

      Abraço.

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  3. Olá João,

    Talvez não me tenha feito entender relativamente aos aumentos. O que penso é que, pegando num exemplo, se o Alma tem os menus a 70 e 90 neste momento, tendo mais procura - e se calhar tendo de aumentar alguns custos para manter/subir a bitola - acho natural que "arredondem" para 75 ou 80 ou 100, respetivamente. Chateia-me como cliente mas acho, além de legítimo - o que salvaguardas - natural.
    É um mercado de oferta e procura. Se têm 50 lugares e todos os dias têm 75 pedidos, então se calhar conseguem com mais 10% em cima ter na mesma os 50 lugares preenchidos. Acho normal.
    Não quero dizer que apoio, porque eu quando vou, pago. E por isso vou tão pouco!

    Quanto ao estrangeiro, tenho menos experiência que tu. Certo que paguei na Osteria F e no Celler o mesmo que um menu no Belcanto, e as diferenças, pelo menos no reconhecimento, são óbvias. Mas este ano em dois 2* na Alemanha e em Itália paguei mais que no Belcanto um menu do mesmo nível.

    Acredito, se calhar ingenuamente, que o aumento das estrelas faça os nossos restaurantes manter ou mesmo baixar um pouco os preços. Sinto que sobretudo ao nível 1* os preços são altos, quase que para estratificar o restaurante face aos demais. Havendo agora 21 com 1*, o efeito "exclusividade" esbate-se um pouco. Mas é mais wishful thinking!

    Última nota que já vou sendo chato! Segundo percebi, o Angel Párdo respondeu ao Miguel Pires "sim, duplicam de 17 para 34". O meu palpite é que não liga pevide à parte portuguesa e falou com a imprensa sem o mínimo rigor. O que é inacreditável. Hoje li aqui e ali que se esperava uma chuva e afinal não foi, como se as pessoas ligadas ao meio ou a CS tivesse criado o rumor do nada. Mas a verdade é que em Espanha isto excita muito mais. Segui a atribuição no twitter e para cada português a tweetar havia 100 espanhois e com níveis de entusiasmo incríveis!

    Um abraço e "até à próxima degustação"! ;-)

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    1. Viva Duarte!

      Tens toda a razão, a lei da oferta e da procura demanda que o mercado se ajuste ao aumento da procura e à consequente diminuição da oferta. Se os preços fossem aumentar uns 10/15€, passariam despercebidos ao consumidor - ou quase - mas não é essa a ideia que tenho, creio que costumam aumentar um pouco, Ainda assim, alguns restaurantes aumentam os valores sem que a oferta deixe de existir com alguma fartura (nomeadamente ao almoço e aos jantares, à semana). Recordo-me de alguns estrelados que ao almoço estão quase às moscas, ou até alguns dias ao jantar apresentam casas a rondar os 50% de ocupação.

      Certa altura li a opinião de Ferran Adrià sobre esta questão do aumento de preços aquando do aumento da notoriedade/mediatismo/sucesso. No elBulli recebiam mais de um milhão (!) de tentativas de reservas por ano, com uma oferta MUITO limitada (se não me engano abriam apenas aos jantares, durante 6 meses). Ferran Adrià afirma ter a plena consciência que se subisse o preço do menu (que, creio, rondava os 250€) para valores acima dos 1000€, continuaria a ter uma extensa lista de espera. Resistiu a essa tentação, não queria que a sua cozinha estivesse disponível apenas para uma elite.

      No caso português os aumentos também provocam mudanças, com os clientes portugueses a frequentarem de forma mais espaçada e ponderada. Mas, mais uma vez, é uma escolha legítima de cada chef/proprietário.

      Acho que o aparecimento de mais 7 restaurantes estrelados fará com que os preços não subam tanto, como referes. A oferta de restaurantes é agora bem maior, e grande parte da clientela estrangeira terá uma mais vasta lista de estrelados por onde escolher. O aumento de reservas, que até então costuma ser na ordem dos 50% após a conquista da estrela, poderá ser mais repartido, e por isso condicionar o aumento de preços. Tal como tu, tenho o mesmo wishful thinking.

      Quanto a Ángel Pardo, está-se a marimbar. Uma prova da pouca importância que o país vizinho dá à gastronomia nacional. Uma vergonha, tendo em conta a responsabilidade da pessoa em questão.

      Um abraço Duarte, obrigado pela visita e pelos excelentes contributos! :-)

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